segunda-feira, 9 de maio de 2011

Entrevista sobre o Malê Debalê

Para falar um pouco sobre a história e os projetos sociais realizados pelo Malê Debalê, o Traficante de Informação conversou com um dos fundadores e vice-presidente do bloco, Miguel Arcanjo.



Léo Marques - Como surgiu o Malê Debalê?

Miguel Arcanjo - A primeira proposta era criar uma entidade dentro de Itapuã que não só representasse o bairro no carnaval de Salvador, mas também como se fosse um agente de ação do movimento negro na Bahia. Aí começamos a juntar elementos físicos e culturais para criar a base para o surgimento, o fortalecimento e, conseqüentemente, a sobrevivência do Malê Debalê.

LM – Pelo Ilê Aiê ter sido o primeiro bloco afro, podemos dizer que influenciou o Malê?

MA - De uma certa forma sim. Nós já fazíamos parte de movimentos negros muito antes do Ilê Aiê. Havia muita influência americana dos panteras negras, o movimento Black Power e o soul music.

Mas nessa época também descobrimos que a metodologia e a prática americana não eram a do negro brasileiro. Então pegamos algumas coisas que ajudariam nesse fortalecimento porque nossa simbologia de resistência se resumia única e exclusivamente a Zumbi dos Palmares.

LM - Vocês têm um trabalho social em Itapuã. Fale um pouco sobre ele.

MA - As comunidades pobres, leia-se comunidades negras, são muito carentes. Mas quando a gente fala sobre carência, não é de produtos de consumo, é a de referências. É ter, por exemplo, uma pessoa ou um líder na comunidade à quem se espelhar.

No caso de Itapuã, nós nos tornamos a referência, embora nosso poder seja imensamente pequeno para desenvolver grandes ações comunitárias. Buscamos contribuições voluntárias de profissionais liberais, de outras ONGs e de órgãos do governo.

Não estamos lá para formar artistas. A responsabilidade maior é formar cidadãos e melhorar a auto-estima deles, incentivando-os a irem à luta.

LM - Mas como vocês colocam isso em prática?

MA - Nós temos um curso de percussão, dança e capoeira. Isso é o básico. Fora isso, fizemos convênios com a Secretaria Municipal de Educação (resgate cultural negro desenvolvido dentro da rede pública municipal de ensino) e com o CEFET (informática). Recentemente também demos andamento a um trabalho com a Secretaria de Combate a Pobreza, com apoio do Estado e com a UFBA, onde formamos profissionais de dança num curso de extensão. Buscamos outros convênios nacionais e internacionais.

LM - Me fale sobre o carnaval desse ano. Qual será o tema?

MA - Nós vamos levar a avenida um tema interessantíssimo: “Áurea, 120 anos, e nós?”. É um questionamento que fazemos sobre a abolição da escravatura. Vamos tentar mostrar que a escravidão até nossos dias é algo forjado e que poucos perceberam. Os negros foram simplesmente jogados na rua. Não sabiam ler, escrever, não tinham profissão, foram escravos sempre e só sabiam servir ao senhor. Nessa situação, era sempre explorado. A história foi se proliferando até chegar ao ponto em que chegamos atualmente. E aí a gente pergunta: a partir de quando essa lei vai começar a valer mesmo?

Apesar de ser um tema político, ninguém vai pra rua com cartazes e faixas. Dentro dessa festa vamos mandar o nosso recado de forma poética, colorida e linda.

LM - Como é escolhida a rainha do Malê Debalê?

MA - O Malê é o único bloco que escolhe a rainha e o rei também. É um trabalho feito com o mesmo galmour de quando eram eleitos os reis e rainhas africanos. É uma festa com essa mistura afro-latina-baiana. Temos 15 candidatas e 10 candidatos que são escolhidos na sede do Malê.

LM - Baseado nesse tema, como vocês imaginaram a fantasia?

MA - Nós temos o nosso artista plástico Ives Coalha, que faz a estamparia do tecido. São 15 alas. Cada uma fica com uma temática e desenvolve dentro da sua ala roupas características que estejam inseridas no contexto da mensagem que queremos passar.

LM - Quais serão os dias que o Malê desfila e onde?

MA - Vamos sair na sexta com o Malê e outras tribos. Nesse dia sai o pessoal das alas e da banda. É o dia da festa deles. No sábado e na segunda, o Malê é tradição. Vem completo, com suas alas, fantasias, banda percursiva, cantores, tudo como manda o figurino.

No domingo tem o Malêzinho de Itapuã. Pegamos a criançada e os adolescentes com quem desenvolvemos nosso trabalho social durante todo o ano, e os colocamos no bloco durante o domingo em Itapuã.

LM - Foi difícil conseguir patrocínio este ano?

MA - Patrocínio para bloco afro sempre foi uma coisa um tanto truncada. Ninguém se preocupa se um artista famoso pegou R$ 5 milhões, mas se incomodam se o Malê levar R$ 500 mil. Nós temos todo o trabalho social que já te disse aqui, mas na hora de transformar isso em patrocínio, não acontece. É como se nós fossemos os menores, quando nós somos os maiores.

A Petrobras vai dar esse ano R$ 1,2 milhão para os blocos do pólo de entidades negras. Malê, Ilê, Olodum, Muzenza, Cortejo Afro, Mocambi e Negroides. São sete entidades.

LM – Um milhão e duzentos mil reais para dividir entre sete blocos? Não é pouco, não?

MA - Exatamente. Só o carnaval do Malê Debalê está orçado em R$ 600 mil. Isso a gente doando praticamente 90% das fantasias, sendo que pagamos, assim como os outros artistas, os mesmo 70, 80 mil por um trio.

E ainda tem uma diferença. Enquanto a fantasia do Malê vem com pano trabalhado, todo pintado, com sandália e tudo o mais, custando individualmente R$ 50, um abadá custa R$ 10. Mesmo com todas essas diferenciações, o patrocínio chega primeiro lá.

LM - Então vocês estão insatisfeitos com o valor que chegou até vocês?
MA - Meu pai tinha um ditado popular que dizia o seguinte: "antes um olho curto do que cego de tudo". Mas não podemos dizer que estamos satisfeitos. Não estamos. O que consideramos é a intenção do novo Governo de corrigir isso de uma forma gradativa. Se o pensamento for esse, está tudo bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário